Se tem uma coisa que não podemos negar, é a história. Ela deixa marcado qualquer fato, independente de quem acredite ou não. A verdade é algo irrevogável e tanto é que, para se tornar o que é hoje, a Globo não nega que recebeu um apoio privilegiado.
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A emissora carioca considera o apoio à ditadura um erro. Em troca pelo que fazia em favor do regime que massacrou milhares de pessoas e mitigou a liberdade de expressão no país, a Globo era financiada para se tornar uma grande rede de TV com abrangência nacional.
Portanto, qualquer funcionário que se mostrasse rebelde ou contrário ao que os ditadores consideravam como imoral, seria posto no olho da rua. Foi o caso de Leila Diniz.
Ela debochou da falsa moralidade e confrontou até mesmo as feministas, que discordavam da forma vulgar em que ela se posicionava. Afinal, uma mulher aparecer declarando os seus gostos sexuais e afetivos era abominável, numa época onde era comum resguardar os “valores tradicionais”.
Para que tenhamos noção da afronta promovida por Leila, existiu uma regra de censura chamada Decreto Leila Diniz, onde todos os trechos publicados na imprensa que pregavam quebras de tabus ou comentários sobre a vida íntima das pessoas eram automaticamente censurados.
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A carreira de Leila Diniz começou na Globo e foi lá que ela ganhou projeção nacional. Porém, após o quinto trabalho para a emissora em que fez o primeiro papel como protagonista da história da dramaturgia global, eles deram ouvido à pressão dos militares.
A atriz perdeu o contrato fixo, mas não pararam os convites. Foi musa do cinema nacional e esteve em diversas emissoras de TV extintas. A última foi a TV Tupi, onde ela precisou de fugir enquanto participava de um programa de TV que estava ao vivo.
Os ditadores repugnavam a existência de Leila Diniz, que tinha a mesma força e voracidade de nomes como Anitta têm hoje em dia ao falar abertamente sobre temas espinhosos. A grande diferença é que Diniz tinha de enfrentar gigantes que queriam sua morte.
Na noite de 14 de junho de 1972, aos 27 anos, ela vinha de uma turnê para promover o longa-metragem De Mãos Vazias quando, após embarcar no Voo 471 da Japan Airlines em Tóquio, na escala programada para Nova Déli, na Índia, o avião caiu.
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De Tóquio, ela iria para Londres e de lá viria para o Brasil. O acidente parou o Brasil, que já era impactado pela figura eloquente de Leila Diniz. Relatos do acervo do jornal O Globo mostram entrevistas com executivos da Japan Airlines que não entendiam o que havia acontecido na tragédia que vitimou 85 vidas.
“O acidente foi um completo mistério”, disse Yasteru Matusi, então gerente da companhia responsável pela aeronave que levava a atriz. Anos se passaram e não existia um consenso sobre o que, de fato, havia acontecido no Voo 471.
Tinha quem afirmava que o acidente foi resultado de uma falha no aeroporto, enquanto outros acreditavam numa clara sabotagem. 50 anos depois, o que fica é o legado de uma artista que não era aceita por nenhum dos lados da política.
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Ela não estava de nenhum lado, a não ser do incentivo ao livre arbítrio e do fim da falsa moralidade. À Globo, o que restou foi o remorso de não ter valorizado o suficiente à um talento do tamanho de Leila Diniz.
Porém, a escolha de Roberto Marinho, fundador do grupo Globo, certamente não era estar ao lado de alguém tão barulhento em meio a tanto silêncio promovido pelo frio, desastroso e lamentável período ditatorial vivido pelo Brasil.