Uma das grandes produções da dramaturgia, Vale Tudo ganhará um remake em 2025. Será também uma homenagem à obra de Gilberto Braga (1945-2021), um dos três autores da novela. Ele, no entanto, morreu magoado com a Globo.
Dono de tramas como Dancin’ Days (1978), Água Viva (1980), Vale Tudo, Pátria Minha (1994) e Celebridade (2003) — que será reprisada no canal Viva no ano que vem –, o novelista não se conformou com o fracasso de Babilônia (2015), folhetim que estreou com grande pompa nos 50 anos da Globo.
Com medo de morrer com seu último trabalho sendo um fracasso, Gilberto tentou emplacar outras produções da Globo, mas nenhuma delas saiu do papel, fato que o deixou bastante frustrado. Ele, inclusive, desabafou com amigos sobre o assunto.
Fracasso de novela abateu Gilberto Braga
Com saúde debilitada, a situação do novelista piorou durante Babilônia, que passou por intervenções da Globo e sofreu uma série de mudanças para emplacar na audiência. O problema no ibope deixou Gilberto Braga deprimido.
Em entrevista reveladora ao jornal O Globo do dia 31 de maio de 2015, ele deixou claro que faria de tudo para ter sucesso. “Não estou na casa das pessoas às 21h para chocar. Não quero ser um autor maldito, quero ser um autor de sucesso. Eu sempre persegui o sucesso”, declarou.
Na mesma entrevista, o autor confessou que enfrentava sérios problemas de saúde. “Tenho uma psiquiatra e quando estou deprimido converso com ela. Sou dependente de remédios, tomo muito Rivotril. Tomo remédio o tempo todo. O remédio me protege, mas tudo me atinge”, disse.
Gilberto também não escondeu que a baixa audiência de Babilônia o incomodava bastante. Questionado sobre o presente que desejava em seu aniversário de 70 anos — que completou naquele ano –, ele disse que queria “ganhar de I love Paraisópolis”. Na época, a novela das sete não raramente dava mais audiência que Babilônia.
Tentativas frustradas
Autor que perseguia o sucesso, Gilberto Braga não queria encerrar a carreira com um fiasco — até então, a pior audiência da faixa das 21h. Tanto é que, mesmo com a saúde frágil, ainda desenvolveu vários projetos para a Globo em seus últimos anos de vida. No entanto, nenhum deles foi aprovado.
Em entrevista à jornalista Cristina Padiglione em 2021, João Ximenes Braga, que foi parceiro de trabalho do novelista em diversos projetos, inclusive em Babilônia, revelou que o veterano ficou deprimido após o fracasso de Babilônia.
“Em 2015, quando voltei da viagem de férias após Babilônia, ele me convocou à casa dele. Fui recebido no quarto, numa cama reclinável, tipo de hospital. Ele não estava bem de saúde, mas lúcido e muito deprimido com o fracasso de Babilônia, que até hoje é o pior ibope do horário”, contou ele.
“Não ouso dizer que antecipasse sua morte, mas naquele dia me disse textualmente que não queria encerrar sua carreira com um fracasso e queria voltar a trabalhar logo para recuperar seu prestígio. Pode parecer irrelevante lembrar de um fracasso neste momento em que todos os homenageiam pelos sucessos. Mas superar esse fracasso era importante para ele”, afirmou Ximenes.
Naquela ocasião, Gilberto chamou o parceiro de trabalho para o desenvolvimento de mais dois projetos. Um deles era uma minissérie e o outro seria um remake de Brilhante, novela de 1981 que sofreu com a censura da Ditadura Militar e que o novelista queria refazer como deveria ter sido na época.
“A minissérie era sobre Elis Regina [1945-1982] e, apesar de os seis capítulos entregues, nunca foi produzida porque o filme Elis [2016] chegou primeiro. Já a novela das onze passou a ser muito mais que um simples remake de Brilhante e ganhou outro título, Intolerância. Teve seus 60 capítulos escritos e entregues, mas foi sucessivamente adiada e por fim, cancelada, pelas mesmas forças que destruíram Babilônia”, explicou João Ximenes Braga.
Autor de Vale Tudo morreu magoado com a Globo
Com os dois trabalhos cancelados, Gilberto Braga partiu para uma nova empreitada: Feira das Vaidades, uma trama inspirada em Vanity Fair, de William Makepeace Thackeray.
“Gilberto era resiliente. Mesmo diante disso tudo, não desistiu. Voltou a trabalhar –já sem mim– numa adaptação de Feira das Vaidades para às 18h, com Denise Bandeira. Ele não queria, de forma alguma, encerrar sua carreira com o o fracasso de Babilônia. Um fracasso que, repito e reforço, não pertencia a ele, mas ao interventor”, declarou Ximenes.
Ambientado no Rio de Janeiro da década de 1920, o folhetim já estava com 80 capítulos prontos, mas a Globo também engavetou. Depois, o veterano ainda passou a desenvolver uma nova novela das nove, que sequer chegou a ganhar data de estreia.
“Mas Feira das Vaidades foi cancelada este ano, segundo ele me disse, porque diante da crise da pandemia a emissora não mais faria produções de época. No mesmo telefonema em que me contou isso, disse que lhe encomendaram uma novela das nove e perguntou se eu achava que Intolerância poderia ser adaptada para o horário”, revelou ele.
Com isso, Gilberto Braga morreu em 26 de outubro de 2021, aos 75 anos, com o que mais temia: tendo a fracassada Babilônia como seu último trabalho. O novelista partiu magoado com a Globo, que em seu aniversário de 60 anos o homenageará com o remake de Vale Tudo e a reprise de Celebridade. Uma homenagem que talvez seja tarde demais.